Assim como as esculturas vão tomando forma pelas mãos de quem as esculpe, as imagens, para quem não vê, se materializam pelo som das palavras. O que elas representam vão além de um simples significado ou descrição. Elas possibilitam, a essas pessoas, acessibilidade, por meio da atribuição de sentido e de significados ao que não pode ser tocado ou experimentado pela visão e, que passa a ser imaginado, interpretado e visto pelos ouvidos.
A técnica consiste no recurso da audiodescrição, que traduz imagens em palavras, expressões faciais e corporais em sentimentos e emoções. Os cenários, figurinos, efeitos especiais, mudanças de tempo e espaço, leitura de créditos e paisagens ou qualquer outra informação relevante, ganham movimento, contorno e cor por meio das percepções imagéticas na mente do expectador com deficiência visual.
A audiodescrição como recurso de acessibilidade é mais um serviço de tecnologia assistiva que vem contribuir para a independência e autonomia da pessoa com deficiência visual. Consiste na narração clara e objetiva de todas as informações que aparecem visualmente, mas que não estão contidas nos diálogos. A técnica traz a formalidade para algo que, antes, era praticado de maneira informal, quando a descrição era solicitada mediante a ausência de pistas sonoras para o entendimento das cenas. Não destina-se apenas a obras cinematográficas, estendendo-se a comerciais, programas de televisão, teatro, musicais, shows e apresentações em geral. Também é uma poderosa aliada do professor no espaço educativo, pois utilizando-se de tais técnicas o profissional da educação poderá tornar suas aulas muito mais atrativas e acessíveis, sem a necessidade de elaborar conteúdo diferenciado apenas para os alunos com deficiência visual. A descrição sonora do ambiente e de cenários estáticos - sem movimentos - também constitui o foco da audiodescrição, em museus e exposições.
Algumas diretrizes precisam ser consideradas para se efetivar o processo de tradução de imagens, começando pela objetividade. Nesse item deve-se evitar qualquer análise ou interpretação de emoções, devendo-se, portanto, permitir que o expectador chegue às suas próprias conclusões. Em muitos casos, a referência à emoção deve estar implícita na descrição. Para que a audiodescrição cumpra seu caráter objetivo, ela deve ser breve e concisa, evitando expressões com significados semelhantes ou afirmações óbvias. Percebe-se que o uso da expressão correta e, quando empregada na medida certa, propicia contornos mais nítidos e coerentes às imagens.
Além da objetividade, uma obra audiodescrita deve utilizar-se de vocabulários amplos para descrever as múltiplas características do que se pretende visualizar, tendo clareza quanto formas, textura, tamanho, posição com relação a um ponto de referência, cor - não evitá-las -, composição ou disposição no cenário, ângulo de visão, posição do narrador e do expectador frente à obra, entre outros.
Para haver uma maior harmonia entre expectador e obra, a audiodescrição precisa seguir uma lógica. A produção tem início com uma descrição ordenada, segundo um ponto referencial. Começa por características mais amplas ou genéricas, até chegar numa referência de suas partes, de forma mais detalhada, sempre procurando posicionar os elementos conforme relação com outros elementos. A audiodescrição não é meramente a descrição de um objeto independente, mas de objetos, situações, gravuras, imagens, cenários e, por isso, precisa ser estruturada partindo de diferentes ângulos de observação em relação simultânea e intermitente.
No Brasil, a primeira peça comercial a contar com o recurso da audiodescrição foi "O Andaime", no Teatro Vivo, em março de 2007. O primeiro filme, "Irmãos de Fé", do Padre Marcelo Rossi em 2005. E a Natura marcou presença como sendo a primeira empresa a veicular um comercial com audiodescrição na TV aberta, em 2006. Apesar dessas tentativas isoladas e que têm ganhado força ao longo dos anos, a audiodescrição na programação já é prevista desde 2004, por força do decreto nº 5296, que regulamenta a lei que estabelece as normas de acessibilidade. Em 2006, as medidas para disponibilização da audiodescrição foi regulamentada pela portaria nº 310 do Ministério das Comunicações. Essas regras foram suspensas em 2008 e retomadas a partir de 2010, com a Portaria nº 188/2010, que determina a veiculação de duas horas por semana de programação com audiodescrição a partir de 1º de julho de 2011, e ampliando esse tempo de exibição gradativamente. Estamos em contagem regressiva para tal efetivação.
Em ambientes educativos, a audiodescrição como ferramenta pedagógica tem por finalidades o acesso a materiais bibliográficos, ao currículo e a conteúdos escolares ao mesmo tempo que o restante da turma. Informar disposição do mobiliário, da planta baixa da escola, de objetos, dos espaços de recreação ou de uso comum. Atentar para o trabalho colaborativo em descrição de filmes, slides, mapas, tabelas, fotografias, gráficos, mostras, eventos e exposições no ambiente escolar, entre outros.
Desta forma podemos considerar que audiodescrição é recurso para a acessibilidade e que significa que “Se você não vê, poderá ouvir; Se você não ouve, poderá ler; e Se você não lê, poderá compreender”. O audiodescritor, portanto, será a ponte entre a imagem não vista e a imagem construída por meio de referências sonoras, conduzidas e esculpidas na imaginação de quem as ouve.
Conheça abaixo um exemplo de comercial sem audiodescrição. Aprecie seu conteúdo e observe os detalhes visuais presentes na obra. Tente captar as informações relevantes e globais, obtidas por meio da visualização das imagens. Note que, nessa etapa, o “enxergar” se mostra determinante para o entendimento da obra e a visão atuará como sentido predominante na busca de pistas necessárias para a compreensão da mensagem transmitida. Se você “fechar” os olhos, a interpretação fica prejudicada e a comunicação interrompida.
Campanha Iguais na Diferença – versão sem audiodescrição
Após ter assistido ao comercial acima, o desafio está em assistir ao mesmo comercial com o recurso da audiodescrição.
Campanha Iguais na Diferença – versão com audiodescrição
Note que, no segundo momento, as informações visuais são complementadas pelo som das imagens, produzidas por meio da audiodescrição. As cenas vão se mostrando ao longo da narrativa que, agora, se tornou acessível e muito mais rica em detalhes. É possível, então, “fechar” os olhos e ver com palavras. Observe que muitos detalhes visuais podem ter passado por despercebido e, outros, ainda, não estarem contidos na audiodescrição. Isso acontece devido à riqueza de informações e a necessidade de compactação para sincronizar imagem e som. É preciso exercitar a habilidade de “ouvir” e deixar a imaginação e a criatividade construir sentidos e significados para as imagens mentais.
Seja você também um amigo da audiodescrição, pois as palavras valem mais do que mil imagens!
Luciane Molina, pedagoga e especialista em educação com foco na deficiência visual. Atua no ensino de pessoas com deficiência visual, capacitação de professores e palestras. Também ministra oficinas de audiodescrição, com foco na tradução de imagens na educação.
www.braillu.com
Parabéns, excelente post, já compartilhei!E realmente com a audiodescrição ficou bem mais rico e fácil de entender. Parabéns ao blog e parabéns Luciane! bjs kaka
ResponderExcluirA Lu, além de ser uma simpatia de pessoa, é muito competente no que faz! A cada texto dela, mergulhamos fundo no universo dos deficientes visuais.
ResponderExcluirParabéns, Lu! E obrigado por estar sempre conosco!
Um grande beijo!!!
Adorei o post, muito bacana Luciane!!! Rico em informações...Ficaremos com os ouvidos atentos nas propagandas apartir de julho :)
ResponderExcluirAbraço a todos!